Solidão no cárcere: 26% das mulheres presas no Brasil não recebem visitas

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Solidão no cárcere: 26% das mulheres presas no Brasil não recebem visitas
08-03-2025
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Levantamento mostra que 6,3 mil detentas não têm nenhum visitante cadastrado nos presídios brasileiros. Na semana dedicada à mulher, série do g1 aborda desigualdade de gênero no contexto prisional.

Um levantamento feito  a partir de dados do Sisdepen – painel da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) com informações sobre o sistema penitenciário brasileiro – mostra que 26,8% das mulheres presas no Brasil não têm visitantes cadastrados, ou seja, não recebem visita nenhuma.

  • Total de detentas: 23.567
  • Detentas sem visitantes: 6.327
  • Percentual sem visitas: 26,8%

O mesmo levantamento feito em relação aos homens indica para eles um percentual menor, de 23,3% de presos sem receber visitas. Embora numericamente a diferença não soe tão significativa, especialistas ouvidas  afirmam que esse abandono castiga bem mais as detentas.

A explicação (confira na íntegra mais abaixo) pode ser resumida em 4 pontos:

  • 1️⃣ Ao serem presas, elas rompem com a expectativa de “docilidade” atribuída ao gênero
  • 2️⃣ Isso faz com que elas sejam mais punidas socialmente com o isolamento, sem visitas
  • 3️⃣ Como resultado, os visitantes, embora cadastrados, muitas vezes não aparecem na prisão (veja adiante exemplo de presídio que reduziu dia de visita pela baixa procura)
  • 4️⃣ Sentimento de tristeza, abandono e rejeição (veja depoimentos de presas no vídeo mais abaixo e conheça suas histórias. 

Esta reportagem é parte da série “Dia de visita: a solidão da mulher no cárcere”, publicada  na semana em que se celebra o Dia da Mulher.

Cartaz com a frase 'você não está sozinha' estampa sala de aula na Penitenciária Feminina de Mogi Guaçu — Foto: Estevão Mamédio/g1

Sobre os números

O levantamento feito pela reportagem leva em consideração o total de presas em 23 estados e quantas tinham visitantes cadastrados no 1º semestre de 2024, última atualização do painel.

  • OS RELATOS: Queria pelp menos uma carta: como vivem as mulhres que não recebem visitas ou noticia da familia. 

O estudo não considera Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Tocantins porque, segundo o Ministério da Justiça, estes estados não forneceram as informações corretamente à União.

Solidão no cárcere – presas com e sem visitantes
Mais de um quarto da população carcerária brasileira feminina não possui nenhum visitante cadastrado
Presas com visitantes cadastrados: 17.240Presas sem visitantes cadastrados: 6.327

As histórias: ‘Queria pelo menos uma carta’

com  permissão da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) de São Paulo para encontrar algumas dessas detentas que não recebem visitantes. Com a maior população carcerária do país, o estado concentra também o maior número de mulheres sem visitas (veja mapa mais abaixo).

A reportagem esteve na Penitenciária Feminina de Mogi Guaçu , no interior do estado, aonde conversou com três mulheres. Elas são mães e, desde que foram detidas, nunca tiveram nenhuma visita sequer. Duas delas não receberam nem cartas dos familiares nesse período.

  • De acordo com os dados do Sisdepen, 77% das mulheres presas no Brasil são mães.

Sem qualquer registro além dos que carregam na memória, elas tentam na imaginação desenhar o rosto dos próprios filhos ao passar dos anos. “Eu gostaria que eles, pelo menos, enviassem uma carta falando que está tudo bem. Mandando fotos. Enviando fotos dos meus filhos.”, desabafou uma delas.

A unidade visitada pela reportagem abriga cerca de 850 mulheres, segundo dados de março de 2025 da SAP. Embora o total de visitantes cadastrados chegasse a 1,4 mil até junho de 2024, a diretoria da unidade diz que, na prática, o número de parentes que vão até a unidade não chega a 200 no dia de visita.

Esse, aliás, é outro ponto de destaque: diferentemente dos presídios masculinos, que reservam todo o final de semana para receber os familiares, por conta da baixa demanda, a unidade optou por encerrar as visitações presenciais aos sábados – dia em que passaram a ser realizadas visitas virtuais.

Realidade nos estados

Em números absolutos, os estados com a maior quantidade de mulheres nessa condição de solidão, ou seja, sem receber nenhum visitante externo, são:

  1. São Paulo: 1.989 presas sem visita
  2. Paraná: 1.122 presas sem visita
  3. Rio de Janeiro: 549 presas sem visita
  4. Rio Grande do Sul: 383 presas sem visita
  5. Paraíba: 349 presas sem visita

Se considerarmos o número percentual de presas sem visitantes cadastrados, os estados com menor incidência de visitas são: Amazonas (58,3% de mulheres sem visitantes); Paraíba (55,9%), Paraná (50%), Pará (46,4%) e Bahia (42,6%).

Já os estados brasileiros com menor percentual de mulheres sem visitação, ou seja, onde a incidência de visita é maior, são: Distrito Federal (1,38% de presas sem visitas); Roraima (1,88%), Mato Grosso (5,69%), Sergipe (6,2%) e Piauí (9,7%).

Percentual de presas sem visitantes cadastrados

Nos estados em que a cor é mais escura, o índice de presas com visitantes cadastrados é maior. Passe o mouse para ver os números absolutos.

1,3
58,3

Homens x Mulheres

Ao olhar para toda a população carcerária do país, nota-se que 73,1% das mulheres presas recebem visitas enquanto, entre os homens presos, 76,6% são visitados.

A proporção de homens presos com visitantes cadastrados supera a das mulheres em 16 estados brasileiros. Em três deles o índice de encarceradas sem visita ultrapassa os 50%.

  • Estados em que presos homens recebem mais visitas que presas mulheres: Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia e São Paulo.
  • Estados em que mulheres presas recebem mais visitas que homens presos: Distrito Federal, Goiás, Maranhã, Mato Grosso, Piauí, Roraima e Sergipe.

Mulher presa na Penitenciária Feminina de Mogi Guaçu — Foto: Estevão Mamédio/g1

Para Natália Corazza Padovani, do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, da Unicamp, “às mulheres são atribuídas sempre expectativas de docilidade. Então o cometimento de um crime é uma ruptura dessa expectativa”.

A professora de direito penal Fernanda Ifanger, da PUC-Campinas , complementa afirmando que esse rompimento com o padrão esperado traz impactos diretos para as presidiárias. “Existe uma punição da sociedade, da própria família, que entende que essa mulher não cumpriu com o seu papel de mulher. Isso faz com que a visita das mulheres seja absolutamente escassa”, afirma

Ao longo da produção da série, a reportagem ouviu especialistas que afirmam que as mulheres são mais prejudicadas porque, ao cometerem crimes, sofrem retaliações por não corresponderem expectativas sociais de feminilidade.

E esta é também a percepção de uma das detentas em situação de abandono ouvidas. A partir das próprias vivências, ela acredita que, se fosse homem, estaria em uma realidade diferente.

“O fato é que a sociedade é assim. A gente é mulher. A mulher é vista como mãe de família, como responsável. É isso que as pessoas esperam das mulheres. Não esperam que as mulheres cometam crimes”.

Visita é direito previsto em lei

Receber a visita de um familiar na prisão é direito previsto na Lei de Execuções Penais. Pais, filhos, cônjuges e outros parentes próximos podem, semanalmente, levar abraços, alimentos e outros agrados que ajudam a dar conforto a quem vive atrás das grades.

Segundo a professora de direito penal Fernanda Ifanger, da PUC-Campinas, a ausência da visita durante o cumprimento de pena pode prejudicar a ressocialização, além de cortar vínculos familiares, principalmente, entre mãe e filho. Isso significa romper o contato com o mundo exterior.

Não ter contato com o lado de fora da cadeia, para muitos presos, pode significar não ter para onde voltar ao ser liberto. Para a especialista, essa é uma forma de marginalização que, além de afetar a saúde mental, atrapalha a recuperação e pode levar a pessoa a cometer novos crimes.

Além da questão afetiva, a visitação pode significar a garantia de uma ajuda concreta. “É que o visitante, muitas vezes, leva pra esse detento, pra essa detenta, alimentos, itens de higiene que essas pessoas não conseguem acessar dentro do ambiente prisional”, comenta.

Complexo Penitenciário de Hortolândia, destinado a homens do interior de São Paulo, em dia de visita — Foto: Estevão Mamédio/g1

  • para a ressocialização da pessoa presa;
  • para a manutenção do contato extramuros, o que proporcional bem-estar físico e mental;
  • para ter acesso a alimentos e outros itens que não são fornecidos pelo estado, mas que lhe oferecem qualidade de vida.

Já a falta dela pode levar à:

  • dificuldade de ressocialização, pois a pessoa não terá com quem contar ao deixar a cadeia;
  • para o isolamento, que afeta a saúde socioemocional;
  • para a sensação de não pertencimento e rejeição, que pode contribuir para o retorno à criminalidade.

‘Dia de visita: a solidão da mulher no cárcere’

Na semana do Dia das Mulheres, o g1 publica a série “Dia de visita: a solidão da mulher no cárcere”, que aborda as diferentes relações e desafios que elas enfrentam diante o sistema prisional. Ao longo dos dias, a série vai mostrar:

  • Dados de visitação para mulheres e homens no sistema penitenciário
  • O encontro da reportagem, dentro do presídio, com mulheres sem visita há quase 3 anos
  • Histórias na fila de mulheres que visitam homens em um complexo penitenciário de SP
  • O que está por trás do abandono da mulher encarcerada segundo especialistas
  • Relatos de mulheres que criaram uma rede de apoio para se apoiar nas visitas aos presos
  • De lingerie à prova de revista a comidas: comércio ambulante no entorno do presídio masculino se adapta a maioria de visitantes mulheres

 

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