Conversas apontam pedido de R$ 300 mil para manutenção de frigorífico.
Ministério da Agricultura informou que unidade de Mineiros foi interditada.
O chefe do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal em Goiás (Sipoa-GO), o médico veterinário Dinis Lourenço da Silva, investigado na Operação carne fraca, da Polícia Federal, foi flagrado em escutas telefônicas negociando a manutenção de um frigorífico da BRF em Mineiros, no sudoeste de Goiás, que tinha indicação de suspensão das atividades. Em troca do favor, segundo um representante da empresa, ele solicitou R$ 300 mil para a campanha de um partido nas eleições municipais de Goiânia. O veterinário está preso na sede da Polícia Federal em Goiânia. A unidade segundo o Ministério de Agricultura foi interditada
A quebra do sigilo das conversas telefônicas de Dinis Silva foi autorizada no dia 9 de maio do ano passado, segundo a decisão do juiz federal Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara Federal de Curitiba (PR). o Informativo Cidades obteve a transcrição das conversas em consulta ao site da Justiça Federal do Paraná, no início desta tarde.
Em uma das conversas, o chefe do Sipoa-GO fala com o gerente de Relações Institucionais e Governamentais da BRF, Roney Nogueira dos Santos, detido na operação, sobre a situação do frigorífico em Mineiros
– Roney: O que eu preciso, o que a gente precisa, doutor Diniz,é o seguinte, é não suspender. Até porque é suspender o que não está sendo produzido ainda. A gente já está produzindo produtos temperados né e aí a empresa fez todas as ações como a gente mostrou: retorno de contêiner.
– Dinis: Certo. A minha opinião é dar o parecer desfavorável à suspensão. É só aguardar os documentos.
– Roney: De repender, doutor, o senhor pode sugerir o seguinte: poderia depois sugerir uma nova supervisão, entendeu?
– Dinis: Tudo bem.
Após o acordo, ligações interceptadas entre Roney e o diretor da BRF André Luiz Baldissera, que também foi preso na ação da PF, apontam que Dinis solicitou “apoio” nas eleições municipais para garantir a permanência dele como chefe do Sipoa-GO. Em uma das conversas, Roney explica que o posto dele é conquistado com indicação política:
– André: O Dinis (ininteligível). O que é que ele pediu daquela vez?
– Roney: É, ele pediu.
– André: Para apoiar ele no quê, cara?
-Roney: Ele pediu para gente trezentos mil reais para ajudar o cara que mantém ele lá em Goiânia
Roney reforçou, em uma ligação com um homem não identificado (HNI) pela Polícia Federal, o pedido de Dinis. Na ocasião, ele cita, inclusive, o nome do deputado federal Jovair Arantes (PTB).
– Roney: [explica o que Dinis disse] O que eu vou propor? Vamos suspender a certificação só do preparado e que eu vou dar um prazo para vocês se adequarem e eu vou fazer uma nova auditoria, para ver se deu certo.
– HNI: Tá bom, tá ótimo.
– Roney: Aí eu peguei e falei: Tá bom, se for isso, eu concordo também. Mas aí o que vai ser o pagamento, entendeu? Aí ele pegou: “Pois é, preciso do apoio de vocês, você sabe que a gente ali do Ministério é por indicação partidária e quem coloca nós aqui no Ministério, que mantém a gente no cargo, é o pessoal do PDT e o nosso deputado aqui, que trabalha junto, é o Jovair Arantes, e aí eu preciso do apoio de vocês na campanha eleitoral municipal”.
Na época, o PTB integrava a Coligação Renova Goiânia. Nela, o partido tinha como candidato a vice-prefeito o ex-comandante do Comando de Policiamento da Capital (CPC), Coronel Pacheco, que não teve o nome citado nas escutas.
A defesa de Dinis Silva informou que a suspeita contra ele é “carente de comprovação, precipitada e não se sustenta”. Ainda segundo os advogados, após o depoimento do fiscal, se houver ação penal, Dinis vai provar que é inocente.
A reportagem pediu ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) um posicionamento sobre a investigação envolvendo Dinis Silva. Porém, o órgão citou apenas uma nota, divulgada no site do Mapa, no qual o ministro Blairo Maggi diz que as “apurações da Polícia Federal indicam é um crime contra a população brasileira, que merece ser punido com todo o rigor”.
Ainda segundo a nota, o ministro disse que “neste momento, toda a atenção é necessária para separarmos o joio do trigo. Muitas ações já foram implementadas para corrigir distorções e combater a corrupção e os desvios de conduta, e novas medidas serão tomadas. Estou coordenando as ações, já determinei o afastamento imediato de todos os envolvidos e a instauração de procedimentos administrativos. Todo apoio será dado à PF nas apurações. Minha determinação é tolerância zero com atos irregulares no Mapa”.
Em nota sobre a operação, a BRF disse que está colaborando com as autoridades para o esclarecimento dos fatos. A companhia reiterou que cumpre as normas e regulamentos referentes à produção e comercialização de seus produtos, possui rigorosos processos e controles e não compactua com práticas ilícitas. A empresa ainda “assegura a qualidade e a segurança de seus produtos e garantiu que não há nenhum risco para seus consumidores, seja no Brasil ou nos mais de 150 países em que atua”.
A defesa de Roney Santos também não foi localizada para comentar o assunto.
O deputado Jovair Arantes informou por telefone, que a única indicação dele e do partido no Ministério era Júlio Carneiro, que foi exonerado em abril do ano passado. Ele disse ainda que, por ter sido relator do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, todas as pessoas ligadas ao partido foram retiradas das pastas.
Arantes também afirmou que voltou a indicar Júlio Carneiro em julho. Por fim, alegou que não conhece Roney.
A reportagem também entrou em contato, por e-mail, com o PDT, mas não obteve posicionamentos até a publicação desta reportagem. Já as ligações para o diretório do PTB em Goiás não foram atendidas.
‘Escândalo’
Na decisão, o juiz federal classificou a participação do chefe do Sipoa-GO no esquema ilegal para liberação de licenças e fiscalização irregular de frigoríficos em Goiás como “um escândalo”.
“[Dinis Silva] É mais um indivíduo que, tudo indica, faz uso da profissão para, antes de mais nada, atender a seus interesses pessoais. Viabilizou a manutenção em funcionamento de unidade da BRF em Mineiros/GO, cuja indicação era de suspensão de atividades”, destacou o magistrado.
Segundo o juiz federal, Dinis Silva “trata-se de uma figura que, pelo que se observou das interceptações telefônicas, regularmente se envolve com práticas criminosas em troca dos mais diversos ‘favores. Presta orientação, auxilia no atendimento a interesses espúrios, pressiona empresários até a que adquiram veículos pessoais seus, recebe quantidades consideráveis de dinheiro sem qualquer justificativa lícita ligada ao seu trabalho, solicitou R$ 300 mil para alegadamente uma campanha eleitoral de ‘padrinho’ seu, recebe produtos das empresas fiscalizadas”, destacou.
Ainda de acordo com a decisão, há indícios de que Roney Santos pediu ajuda a Dinis Silva, em julho do ano passado, para solicitar a autorização, junto ao Sipoa de Santa Catarina, para a adulteração de cerca de 700 quilos de mortadela, considerada inadequada para consumo.
O reprocessamento do material seria realizado em fábricas da BRF em Rio Verde, no sudoeste de Goiás, e Videira (SC), Em troca da ajuda, Roney se comprometeu a conseguir um teste em uma escola de futebol de São Paulo para o neto do chefe do Sipoa-GO