Todas as mortes envolveram disparos de arma de fogo e aconteceram no período noturno. Além disso, todas elas estão relacionadas com a prisão de 10 policiais militares de Goiás, suspeitos dos crimes.
Dez policiais militares de Goiás estão presos temporariamente suspeitos de matar sete pessoas para se livrarem de provas relacionadas ao assassinato do empresário Fábio Alves Escobar Cavalcante, em 2021, em Anápolis . Os mandados de prisão foram cumpridos pela Polícia Civil durante a Operação Tesarac, no dia 19 de setembro – Veja quem são os PMs presos no final do texto.
Em nota, o advogado do policial militar Adriano Azevedo Souza afirmou que a prisão é desnecessária, pois o investigado é honrado e serviu a corporação por muitos anos. Já a defesa do policial Jhonatan Ribeiro de Araújo afirmou que irá se manifestar após ter acesso a todo o conteúdo da investigação.
Solicitamos um posicionamento da defesa de Thiago Marcelino Machado e aguarda retorno. Além disso, a reportagem tentou localizar a defesa dos demais investigados, mas não obteve sucesso até a última atualização do texto.
Um documento do Ministério Público de Goiás (MPGO), obtido pela reportagem, revela como a quebra de sigilo bancário e rastreio de aparelho celulares a cruzar informações, desenhar a cronologia dos fatos e a relação entre as mortes.
O documento não informa qual seria a motivação para o assassinato do empresário Fábio Alves. Apesar disso, apresenta uma série de provas que indicam que os policiais militares praticaram outros homicídios, simulando confrontos, para tentar encobrir a morte dele.
Além de Fábio, outras sete pessoas também foram assassinadas. São elas:
- Bruna Vitória Rabelo;
- Gabriel Santos Vital;
- Gustavo Lage Santana;
- Mikael Garcia de Faria;
- Bruno Chendes;
- Edivaldo Alves da Luz;
- Daniel Douglas de Oliveira;
Veja como cada vítima foi morta
O empresário Fábio Alves foi assassinado a tiros por dois homens , na noite do dia 23 de junho de 2021, no Setor Jamil Miguel, em Anápolis. As informações são de que os criminosos estavam em um carro e usavam máscaras tipo “balaclava”. A vítima chegou a ser socorrida com vida, mas morreu no Hospital Municipal da cidade.
As investigações concluíram que Fábio foi atraído para uma emboscada. Dias antes do crime, ele recebeu ligações de uma pessoa que se apresentava como ‘Fernando’, que queria negociar a compra e venda de um imóvel. O empresário e essa pessoa combinaram de se encontrar no dia em que o crime aconteceu.
A denúncia afirma que o policial militar Welton da Silva Vieiga participou do homicídio do empresário. A constatação foi feita a partir da quebra de sigilo de um aparelho Samsung, que revelou que o celular foi usado para fazer a ligação para a vítima e atraí-la para o local.
Informações do rastreio do celular mostram que, nos três dias em que o aparelho Samsung ficou operando, ele estava nas imediações do endereço residencial do PM.
Em dezembro de 2022, o policial virou alvo em outro caso de homicídio. Com isso, a polícia acabou indo até a casa dele cumprir um mandado de busca e apreensão. Durante o cumprimento da ordem, Welton reagiu atirando nos policiais civis e, na sequência, cometeu suicídio.
Em sua residência foram localizadas três armas de fogo (todas calibre 38), 49 munições, duas máscaras tipo “balaclava”, uma placa de veículo e roupas sujas de sangue.
Outro elemento importante para a investigação é o fato de que a esposa de Welton está envolvida em três ocorrências de morte por intervenção policial junto com o marido e os policiais: Almir Tomás de Aquino Moura e Marcos Jesus Rodrigues (ambos presos na Operação Tesarac).
“Ou seja, tais policiais militares se conhecem e já trabalharam juntos. Inclusive, Marcos Jesus e a esposa de Welton efetuaram transações financeiras entre si, totalizando a quantia de R$ 63 mil”, destaca a denúncia.
As mortes de Gabriel, Gustavo e Mikael
Em 23 de agosto de 2021, dois meses após a morte do empresário Fábio, foi registrado um confronto policial, também no período noturno, em Terezópolis de Goiás. Durante essa ocorrência, foram mortos: Gabriel Santos Vital, Gustavo Lage Santana e Mikael Garcia de Faria.
Segundo a denúncia, todos eles eram amigos de uma mulher chamada Bruna Vitória Rabelo e do namorado dela, que é traficante de drogas.
O celular Samsung, usado para atrair o empresário Fábio para a emboscada, e um outro aparelho modelo Motorola, pertenciam à Bruna e o namorado dela. Mas foram roubados, segundo o traficante, durante uma abordagem policial meses antes dos crimes.
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O documento afirma que estão envolvidos nesse confronto os policiais: Glauko Olívio de Oliveira, Rodrigo Moraes Leal, Thiago Marcelino Machado, Wembleyson de Azevedo Lopes, Jhonatan Ribeiro de Araújo e Adriano Azevedo Souza (todos presos).
Na época, os policiais disseram à Subdelegacia de Terezópolis que, durante uma abordagem, os três homens teriam causado acidentes de trânsito, fugido para uma região de mata e efetuado disparos contra a equipe policial. Por conta dessas agressões, eles revidaram os tiros e, consequentemente, causaram a morte do trio.
No entanto, dados extraídos da quebra de sigilo dos telefones dos PMs, constataram que o policial Marco Aurélio Silva Santos enviou mensagens para os policiais Thiago e Adriano confessando que havia sido colocado um rastreador no carro de uma das vítimas.
As conversas também mostraram que Marco Aurélio enviou mensagens informando a localização em tempo real das vítimas antes do crime, bem como fotos da placa do carro.
“Os policiais militares envolvidos possuíam total controle da situação e não havia agressão injusta por parte das vítimas, retardando deliberadamente o suposto confronto para o período noturno, horário em que a rua ficaria com menos movimento de pessoas e carros”, afirma o documento.
A morte de Bruna
Após a morte de Gabriel, Gustavo e Mikael, ainda no dia 23 de agosto de 2021, Bruna Vitória (a dona do Samsung) também foi morta a tiros por dois homens, que estavam em uma moto.
O traficante, que era namorado da mulher, estava com ela no momento, mas conseguiu sair ileso. Em depoimento, ele reconheceu o policial Glauko como sendo um dos atiradores.
A denúncia afirma que os policiais plantaram uma arma na cena do crime. O objetivo era responsabilizar Gabriel, Gustavo e Mikael pela morte da amiga Bruna.
As mortes de Daniel, Bruno e Edivaldo
No dia 19 de fevereiro de 2022, aproximadamente às 4h, os policiais Glauko, Thiago Marcelino e Wembleyson, efetuaram disparos de arma de fogo durante um suposto confronto e acabaram causando a morte de Bruno Chendes, Edivaldo Alves da Luz e Daniel Douglas de Oliveira.
Segundo a denúncia, os três homens mortos eram amigos do traficante, que namorava Bruna até ela ser morta. Inclusive, pouco antes de serem mortos, os três homens estavam com o traficante.
O documento também cita que, nesta ocorrência, foram apreendidas armas de fogo e bloqueador de sinal de rádio. Mas os PMs declararam que não encontraram nenhum aparelho celular.
Além disso, no mesmo dia do confronto, foram registrados três telefones em nome de Bruno Chendes, mas a vítima supostamente estava morta desde às 4h (madrugada).
As investigações constataram que as três vítimas foram torturadas até a morte para que fornecessem informações sobre o paradeiro do traficante.
“Os policiais militares declararam que foram efetuados 35 disparos de arma de fogo no suposto confronto, mas apenas uma cápsula foi encontrada pela perícia, sendo isso indicativo de adulteração do local do crime”, destaca o texto
Nesse trecho, a denúncia afirma que era muito importante para os policiais que o traficante fosse localizado. Isso porque, ele havia reconhecido Glauko no crime contra Bruna.
Relações entre os PMs e as mortes
Após a exposição dos fatos, a denúncia explica qual a relação entre os policiais militares e as mortes. Entenda:
O policial Welton da Silva integrava o mesmo batalhão dos militares Marcos Jesus e Almir Tomás. Todos acabaram sendo investigados pela morte do empresário Fábio Alves.
Marcos Jesus era investigado pela morte do empresário por ter acessado os dados cadastrais da vítima, alguns dias antes de sua morte.
Almir Tomás era investigado pela morte do empresário por ser o titular da Internet utilizada para a pesquisa.
O policial Welton era amigo próximo do policial militar Thiago Marcelino. Os dois, inclusive, estacionavam carros um na garagem do outro.
Thiago Marcelino era amigo próximo do PM Erick Pereira da Silva.
Erick é apontado como dono da rede de wifi em que um celular Samsung foi conectado e usado para atrair o empresário Fábio Alves para a emboscada.
Para supostamente encobrir as provas do crime de homicídio contra o empresário Fábio Alves, Bruna Vitória foi morta a tiros.
Um traficante era namorado da mulher e sobreviveu ao ataque. Em depoimento, ele afirma que um dos policiais responsáveis pela morte da Bruna é o policial Glauko.
Gabriel, Gustavo e Mikael, que eram amigos da mulher, foram mortos em um suposto confronto com os policiais Glauko, Thiago Marcelino, Adriano e Wembleyson.
As investigações sugerem que os policiais plantaram uma arma de fogo na cena do suposto confronto. O objetivo era responsabilizar as vítimas pela morte de Bruna.
Apesar do policial Marco Aurélio não estar na equipe, a denúncia afirma que ele estava monitorando as vítimas e passando informações em tempo real para Thiago e Adriano.
Na tentativa de localizar o traficante, os PMs Glauko, Thiago Marcelino e Wembleyson, em outro suposto confronto com disparos de arma de fogo, mataram Bruno Chendes, Edivaldo e Daniel, que eram amigos dele.
Veja quem são os PMs presos:
- Glauko Olívio de Oliveira
- Marcos Jesus Rodrigues
- Almir Tomás de Aquino Moura
- Erick Pereira da Silva
- Thiago Marcelino Machado
- Adriano Azevedo Souza
- Wembleyson Azevedo Lopes
- Jhonatan Ribeiro de Araújo
- Marco Aurélio Silva Santos
- Rodrigo Moraes Leal
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública, junto com outras as Forças de Segurança afirmou que “não compactua com nenhum tipo de desvio de conduta”. A Corregedoria da PM-GO informou que abriu os os procedimentos legais cabíveis.