No alvo da violência: aumenta vitimização das mulheres

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No alvo da violência: aumenta vitimização das mulheres
07-06-2016
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violência contra a mulher não se baseia apenas em atos hediondos como o estupro

De acordo com o 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a cada 11 minutos um estupro acontece no Brasil. A pesquisa analisou dados de 2014 e constatou que nesse ano cerca de 47,6 mil pessoas foram vítimas do crime no país. Em Goiás, entre 2011 e 2015, 2.513 casos de estupro foram registrados, segundo a Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária (SSPAP). Além disso, uma pesquisa feita pela Datafolha revelou que  90% das brasileiras temem ser estupradas.

Em 2013, o Ipea, no âmbito do Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS), estimou  que a cada ano no Brasil 0,26% da população sofre violência sexual, o que indica que haja anualmente 527 mil tentativas ou casos de estupros consumados no país, dos quais 10% são reportados à polícia. No Brasil 13 mulheres são assassinadas por dia. Por ano, há cerca de cinco mil assassinatos, sendo que metade deles é cometida por companheiros ou ex-companheiros.

Sabe-se que as mulheres não são as únicas vítimas de estupro, mas também é de conhecimento geral que elas são, de longe, o principal alvo. E os acontecimentos das últimas semanas no país serviram para ilustrar a realidade vivida por parte das brasileiras, tendo em vista que as que não foram vítimas de estupro, em algum momento de sua vida, foram assediadas ou se sentiram desrespeitadas moralmente.

Além dos dois casos de estupro coletivo que chocaram e geraram revolta nos cidadãos brasileiros (um no Rio de Janeiro e outro em Piauí) recentemente, Alexandre Frota, que confessou ter cometido estupro em rede aberta de televisão, foi recebido pelo ministro interino da educação, Mendonça Filho, para discutir propostas para a educação.

O que Frota tem para oferecer para a educação no país ainda permanece uma incógnita para a maioria dos brasileiros. Mas o fato é que acontecimentos como os que o país vem acompanhando revelam a ponta de um iceberg que possui proporções muito maiores.

A violência contra a mulher não acontece esporadicamente e é até mesmo incentivada por pessoas públicas. O atual deputado e pré-candidato à presidência da república com grande aceitação por parte dos eleitores, Jair Bolsonaro, por exemplo, afirmou ano passado que só não estupraria a Deputada Federal Maria do Rosário (PT) porque ela “não merecia”, subentendendo que não haveria problema em estuprar alguém, caso considerasse que fosse “merecido”.

Cultura do estupro

Muito se tem dito nas redes sociais nos últimos dias a respeito de uma “cultura do estupro”, que seria uma construção social secular na qual o assédio contra a mulher e a hierarquização dos gêneros é aceita e sutilmente incentivada pelas engrenagens sociais como, por exemplo, a igreja com o discurso da submissão feminina, ou a televisão, que se vale de mulheres como objeto de decoração e sexualidade. Mensagens como essa, repetidas por décadas, se tornam naturais no inconsciente coletivo que, a partir de então, faz com que a população ria da piada machista na mídia e louve a mulher que, sendo bela, recatada e do lar, vive à margem do marido.

O termo “cultura do estupro”, entretanto, vem sendo questionado, levando em conta que este é um crime condenado até mesmo pelos piores criminosos (afinal, é de conhecimento geral o fim que levam os estupradores na cadeia). Nessa perspectiva o termo “cultura do assédio” seria mais coerente, tendo em vista que o que a sociedade baseada no patriarcalismo aceita e até mesmo incentiva em algum grau é a hierarquização de gênero, que pode vir a gerar, por consequência, violência contra o gênero preterido, sendo ela de qualquer tipo.

A violência contra a mulher não se baseia apenas em ações físicas, como o estupro. Ela passa pelas formas sutis ou veladas, como a invizibilização, o humor machista, o controle possessivo pelo companheiro, a culpabilização, abuso psicológico e a humilhação, até despontar nas formas explícitas como a agressão física, o estupro e o feminicídio. Os tipos de violência citados, entretanto, se referem à violência cometida em decorrência da hierarquia de gêneros.

Igualdade é possível

Sam Cyrous, psicólogo, psicoterapeuta de famílias e consultor de direitos humanos, questionado a respeito da existência de uma cultura do assédio na sociedade brasileira concorda que a desvalorização da mulher está muito presente na sociedade. Ele explica que 22,6% dos assentos nos parlamentos mundiais são femininos e 13 cabeças de estado são mulheres, isso numa totalidade de 196 países. “Isso é menos de 6%! Dados revelam que no Brasil menos de 10% dos nossos deputados federais são mulheres. No mercado de trabalho (em lugares vistos como mais modernos como o Vale do Silício) 30% são mulheres. Quase 16 milhões de meninas entre 6 e 11 anos nunca terão oportunidade de aprender a ler ou a escrever. No cinema, 23% dos filmes têm protagonistas mulheres”, enumera ele.

Ele comenta a respeito dos estudos que comprovam faltarem 70 anos para a igualdade salarial entre os gêneros. Lembra também que há países no mundo onde o estupro marital permanece fora do alcance da lei, ou onde um homem pode legalmente assassinar um membro feminino de sua família, ou elas não têm direito a divórcio ou herança. “Será que essas ideologias permanecerão? Até quando? Será que se trata de um passo de cada vez? Ou é necessário uma visão sistêmica que permita eliminar todos os problemas? De uma forma simples, a chamada teoria de janelas quebradas prevê que se uma janela de um carro estiver quebrada, todo o carro corre o risco de ser destruído. Se um ato de violência for perpetrado contra as mulheres, todos os demais atos poderão ser perpetrados. Então, a mudança está também nos pequenos detalhes, começando no processo educacional. Homens e mulheres precisamos, juntos, repensar nossos modelos e sermos honestos sobre o nosso machismo consciente e inconsciente. O desafio é de todos”, assevera Sam.

O psicólogo defende que após séculos nos quais movimentos filosóficos, religiosos e a psicologia até (menciona Naomi Wolf, Anne Carr e Gloria Steinem) terem ajudado na implementação de uma cultura de superioridade machista e consequente inferioridade feminina, “cabe a todos os que estão em alguma posição de liderança, em especial as lideranças religiosas, assumirem o seu papel fundamental no tratamento das profundas injustiças que impedem mulheres e meninas de desenvolverem seu potencial e desempenharem seu papel de direito no avanço da sociedade. Devem examinar de que maneiras as suas palavras, suas ações, ou seu silêncio favoreceram o status quo. Os governos têm um papel em encorajar a reflexão sobre essas questões”.

A civilização só alcançará sua plenitude, de acordo com Sam, quando mulheres e homens levantarem suas vozes contra a violação de direitos humanos, contra todas as formas de violência e fanatismo, e contra a rejeição da igualdade em nome do que for. “A segurança, o bem-estar e a paz que tanto aspiramos, só serão alcançadas quando sairmos de uma cultura de superioridade, assédio e estupro, para uma de equidade de gênero. E cabe a todos encontrar a coragem moral para conduzir, desafiar e questionar os limitados papéis que a sociedade e a mídia têm determinado”, conclui ele.

Sinais de agressão começaram com discussão fútil

Cristina Lopes Afonso, 51, fisioterapeuta, professora e atualmente vereadora por Goiânia, conta à reportagem do Diário da Manhã a respeito da violência de que foi vítima aos 19 anos de idade e que mudou por completo sua trajetória de vida. Em uma discussão fútil com o ex-namorado, ele se descontrolou e começou a quebrar objetos da cozinha da casa onde Cristina morava. Ele achou, no armário, uma garrafa de álcool e despejou em cima dela dizendo que colocaria fogo.

“Com medo comecei a andar para trás, querendo sair dali, mas a porta da cozinha estava trancada. Então ele riscou o fósforo que apagou, acendeu o segundo e jogou no chão molhado de álcool. Foi tudo muito rápido e logo o fogo começou a subir em mim. Quando senti que estava queimando gritei desesperadamente. Foi quando meu irmão que estava saindo do prédio ouviu meus gritos e voltou. Ele arrombou a porta da cozinha e me enrolou em um cobertor. Desmaiei. Quando cheguei ao hospital estava em carne viva da cintura para cima com 85% do corpo queimado e a perda dos seios”, recorda ela.

Correndo risco de morte Cristina foi trazida para o Pronto Socorro de Queimadura de Goiânia com ferimentos graves. Chegou até a ser desenganada pelos médicos. “Mas eu consegui sobreviver, recebendo dos meus irmãos a doação de pele para primeiro enxerto que fiz. Meu Pai vendeu fazenda no interior do Paraná par conseguir recursos financeiros para o meu tratamento”, conta.

Seu tratamento durou três anos e incluiu uma ida aos Estados Unidos para confeccionar a veste compressiva usada no tratamento das cicatrizes de queimadura. “As queimaduras modificaram todo meu corpo, mas não conseguiram desfazer meu sorriso nem destruir minha esperança na vida” comenta ela, que ainda carrega as marcas no corpo, mesmo após mais de 30 anos do atentado contra sua vida cometido pelo próprio namorado.

Quando terminou o tratamento, Cristina começou a trabalhar no Hospital Pronto Socorro de Queimadura de Goiânia, cursou fisioterapia, se especializando em queimaduras. “Eu sei que a minha experiência como vítima ajuda a transformar o atendimento que prestado a outras vítimas, eu sei exatamente a magnitude da dor de cada paciente e conheço também o sentimento de perda que toma conta das vítimas de queimadura. Estar ali, fisicamente, se tornou exemplo da real possibilidade de recuperação. Afinal, não preciso dizer que a vida continua, tenho a certeza de que quando me olham é isso que eles enxergam ”, explica.

Cristina lembra a importância da Lei Maria da Penha, que diminui em cerca de 10% a taxa de homicídios contra mulheres e salienta a importância de medidas públicas voltadas para a questão.

Ela ressalta também a relevância de ações sérias com planejamento continuado na educação, esporte, lazer e cultura, a ampliação de recursos vinculados para programas municipais e criar condições para o atendimento com eficácia, bem como a institucionalização da Rede de Enfrentamento a Violência contra a Mulher, tornando-a um Programa de Estado e não de Governo e estimular outros poderes para fazer cumprir leis ainda mais rigorosas na punição ao homem agressor.

“Aumentar a pena e tornar as agressões crimes inafiançáveis é importante para que haja celeridade da Justiça e tratamento aos agressores. A implantação de centros de referência, delegacias especializadas, casas abrigo, juizados específicos e núcleos de defensoria especializados para o atendimento à mulher agredida, incluindo formação de pessoal qualificado em processo permanente de capacitação também é importante, além da priorização nos processos; Outra questão relevante é a promoção da humanização do atendimento das demandas próprias das mulheres e prioridade no combate ao tráfico de mulheres e à exploração sexual de meninas”, finaliza ela

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